Créditos de PIS e COFINS – O art. 17, Lei n° 11.033/04 ampliou/determinou o âmbito de incidência do art. 3º, IX, da Lei n° 10.833/03?

José Guilherme Costa

O gasto na aquisição de produtos/serviços sujeitos a regimes concentrados de PIS/COFINS, segundo extraímos da atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não lastreia a tomada de crédito das referidas contribuições pelo adquirente (exceto, em nosso ver, quando este o utiliza como insumo e inicia uma nova cadeia de mercado), mesmo estando ele em um regime de PIS/COFINS plurifásicos e não cumulativos.

Havia uma intensa discussão no STJ, até 2021, acerca da viabilidade de tomada de créditos de PIS/COFINS monofásicos/concentrados, por parte do adquirente revendedor. A 1ª e 2ª Turma tinham visões diametralmente opostas acerca do conteúdo normativo do art. 17 da Lei 11.033/2004[1].

Em 2021 (no EREsp nº 1.768.224/RS, Relator Ministro Gurgel de Faria[2]) deu-se o fim da divergência entre a 1ª e 2ª Turmas, e a 1ª Seção decidiu pela inviabilidade de tomada de créditos de PIS e COFINS relativos ao produto sujeito a tributação concentrada/monofásica.

Em abril de 2022, a mesma 1ª Seção do STJ fixou a tese repetitiva (TRR 1093[3]) no julgamento dos Recursos Especiais nº 1.895.255/RS[4] e 1.894.741/RS[5] (1ª Seção, Relator Min. Mauro Campbell Marques, afirmando que:

i) a norma instituída no art. 17 da Lei 11.033/2004 não permite o crédito sobre a aquisição dos produtos concentrados/monofásicos, mas apenas declara a viabilidade de tomada dos créditos vinculados, isto é, das despesas que orbitam a operação de aquisição em comento; e

ii) a incidência monofásica/concentrada do PIS e da COFINS não se compatibiliza com a técnica do creditamento, sendo um corte no regime de tributação plurifásica e não cumulativa.

Consoante já anotamos em artigo acerca de questão afim[6], o STJ, ao fixar o TRR 1093, optou pela leitura restritiva do art. 17 da Lei nº 11.033/2004, entendendo que ele não derrogara as previsões normativas preexistentes de inviabilidade do direito ao crédito de PIS e COFINS dos produtos em si – arts. 3º, I, b, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003.

O tabuleiro está pronto; vamos ao jogo. O que nos interessa aqui é pesquisar os limites do efeito “i” acima transcrito: a premissa é de que o art. 17 da Lei nº 11.033/04 não revogou a vedação do direito ao credimento de PIS/COFINS relativos ao “o custo de aquisição (art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/77) de bens sujeitos à tributação monofásica”.

Segundo o STJ, tal artigo só permite “manutenção de créditos cuja constituição não foi vedada pela legislação em vigor, portanto não permite a constituição de créditos da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS sobre o custo de aquisição (art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/77) de bens sujeitos à tributação monofásica, já que vedada pelos arts. 3º, I, “b” da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003”.

Uma divisão no item 3 da TRR 1093 se faz mister para evitar conclusões açodadas: se o art. 17 de fato só permitisse o creditamento que não foi vedado pela legislação previamente vigente, seria preciso entendê-lo como um preceito totalmente vazio de normatividade, isto é, incapaz de alterar o ordenamento precedente?

Temos que a redação do Tema pelo STJ foi espirituosa: o art. 17 da Lei 11.033 não pode superar vedações expressas pretéritas. Mas e quanto a alargar as permissões até então previstas, em dar uma leitura oxigenada às hipóteses de creditamento de PIS/COFINS para fatos geradores que orbitam a operação em si com produto/serviço com tributação monofásica ou concentrada?

Acreditamos, de início, que uma visão mais acurada sobre a declaração do STJ vai no sentido de que o art. 17 da Lei nº 11.033/04 de fato não permite a tomada de créditos de PIS/COFINS pela aquisição de produtos sujeitos a tributação monofásica e/ou concentrada, mas isso se dá eminentemente pela incompatibilidade natural entre modelos concentrados e creditamentos ordinários[7].

É portanto dizer: soa plenamente compreensível que, na visão do STJ, não se operou a revogação dos arts. 3º, I, “b” da Lei n. 10.637/02 e da Lei n. 10.833/03. Mas, extraindo o mínimo de normatividade do art. 17 da Lei nº 11.033/04, é forçoso assumir que este permitiu (sempre para pessoas jurídicas tributadas por PIS/COFINS não cumulativos) o creditamento pelas despesas que orbitam a referida aquisição.

Essa permissão poderia se operar de duas formas macro: mediante revogação de proibições anteriores ou por intermédio de alargamento exegético de permissões antecedentes.

Um dos mais evidentes exemplos, que trazemos à apreciação, é aquele da permissão contida no art. 3º, IX, da Lei nº 10.833/03[8]. Referido dispositivo passou recentemente por uma releitura parcial interna do fisco acerca do pleno creditamento pelos pagamentos referentes a armazenagem de mercadoria – tardia e corretiva, mas com eficácia retroativa à data da lei, operada pela Instrução Normativa SRF nº 1.911/2019[9] (IN SRF 1911) e pela Solução de Consulta COSIT 66/2021[10] (ambas, por serem atos normativos apenas secundários, não poderiam jamais inovar).

Atual e retroativamente, portanto, não obstante a metodologia de tributação da mercadoria para o adquirente, os pagamentos por ele efetuados, quando relativamente à sua armazenagem, serão creditáveis na forma do art. 3º, IX, parte inicial, da Lei nº 10.833/03 c/c art. 181, IV, da IN SRF 1911[11].

Resta ainda o suposto impedimento (na verdade, uma leitura a contrário senso da permissão contida na parte final do art. 3º, IX e no art. 181, V, da IN SRF 1911) da lei para o caso dos créditos relativos aos pagamentos pelo serviço de transporte de produtos sujeitos à tributação monofásica.

E dois nos parecem ser os caminhos aptos a garantir esse legítimo creditamento, como ofertamos na sequência.

O primeiro deles, que parece endossado por recente julgamento da 3ª Turma da Câmara Superior do CARF, nos autos do PAF nº 15956.720244/2013-13[12], diz respeito à natural e necessária divisão entre o que é a operação com o produto e o que é a prestação do serviço de frete.

A Lei, ao mesmo tempo em que permite o crédito do frete em um caso específico, veda explicitamente o crédito para o produto. A mesma lei, contudo, não veda explicitamente o creditamento de PIS/COFINS não cumulativo para demais casos em que existe o pagamento pelo serviço de transporte.

Uma compreensão, portanto, é de que inexistente vedação explícita e, uma vez demonstrada a autonomia de pagamentos, deve ser permitido o creditamento como natural e ordinário pelo pagamento de serviço de frete de qualquer produto (mesmo o sujeito à monofasia), sob pena de violação nuclear à não cumulatividade das referidas contribuições e à própria realidade das relações jurídicas.

Voltemos ao básico: é plenamente possível ao contribuinte A adquirir um produto de uma empresa B e contratar o transporte perante a empresa C. A única hipótese em que se poderia eventualmente supor uma restrição legítima de creditamento é aquela em que A adquire o produto monofásico em cujo valor final já está incluído o frete, porque prestado pela própria vendedora (empresa B), na medida em que já não se poderia distinguir os valores e os destinatários.

Quando verificamos a hipótese de incidência das contribuições, qual sentido haveria em permitir o creditamento (i) ao vendedor que arca com o valor do frete da entrega na alienação do seu produto monofásico, mas negá-lo (ii) ao adquirente do mesmo produto quando é ele mesmo que arca com o frete quando adquire o mesmo produto, ou (iii) ao adquirente do produto que promove a transferência entre filiais pagando pelos serviços de transporte?

Considerando a experiência empírica, apresentamos uma construção alternativa, uma tese que visa a dar suporte ao pleno creditamento pelo pagamento de serviços de transporte de produtos sujeitos à monofasia: trata-se de defender que o art. 17 da Lei nº 11.033/04, muito embora não tenha bastado a revogar a vedação anteriormente constante no art. 3º, I, b, da Lei nº 10.833/03, incrementou o âmbito permissivo originalmente constante no art. 3º, IX, da mesma lei.

Explicamos: o art. 3º, IX, não traz em si uma vedação à tomada de créditos pelo pagamento de serviços de frete; traz na verdade, gramaticalmente, uma permissão condicionada.

Entendemos que o art. 17 da Lei nº 11.033/04, caso não revogue a condição ali contida, ao menos presta-se a ampliar o âmbito de incidência da norma, afinal tal artigo garante a tomada e “a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações”.

Parece-nos que nem o mais gramatical dos exegetas poderia negar que, nas alienações do produto monofásico, o frete pago no regime de não cumulatividade está vinculado à operação de compra e venda, e seus créditos estão portanto garantidos – na nossa proposta, pela exegese conjunta e evolutiva do art. 3º da Lei nº 10.833 c/c com o art. 17 da Lei nº 11.033/04.

Parece-nos portanto ser positiva a resposta à inquietação que apresentamos no título deste estudo, assim como nos soa urgente uma revisão profunda no complexo sistema de tributação de PIS e COFINS, contribuições de tão alta complexidade que oscilam entre tributação direta e indireta, como nos ensinam Longo e Leal[13].


[1]Art. 17. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.

[2] https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201802482584&totalRegistrosPor Pagina=40&aplicacao=processos.ea

[3]1. É vedada a constituição de créditos da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS sobre os componentes do custo de aquisição (art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/77) de bens sujeitos à tributação monofásica (arts. 3º, I, “b” da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003).

2. O benefício instituído no art. 17, da Lei 11.033/2004, não se restringe somente às empresas que se encontram inseridas no regime específico de tributação denominado REPORTO.

3. O art. 17, da Lei 11.033/2004, diz respeito apenas à manutenção de créditos cuja constituição não foi vedada pela legislação em vigor, portanto não permite a constituição de créditos da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS sobre o custo de aquisição (art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/77) de bens sujeitos à tributação monofásica, já que vedada pelos arts. 3º, I, “b” da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003.

4. Apesar de não constituir créditos, a incidência monofásica da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não é incompatível com a técnica do creditamento, visto que se prende aos bens e não à pessoa jurídica que os comercializa que pode adquirir e revender conjuntamente bens sujeitos à não cumulatividade em incidência plurifásica, os quais podem lhe gerar créditos.

5. O art. 17, da Lei 11.033/2004, apenas autoriza que os créditos gerados na aquisição de bens sujeitos à não cumulatividade (incidência plurifásica) não sejam estornados (sejam mantidos) quando as respectivas vendas forem efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, não autorizando a constituição de créditos sobre o custo de aquisição (art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/77) de bens sujeitos à tributação monofásica.”

[4] https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202002375084&totalRegistrosPor Pagina=40&aplicacao=processos.ea

[5] https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroUnico&termo=50133844820194047107&total RegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea

[6] ALVES, Fabio Silva; COSTA, José Guilherme; MURAYAMA, Janssen; e RODRIGUES FILHO, Mozart – Coordenadores. O hoje e o amanhã na tributação dos combustíveis. Artigo “Ontem, Hoje e Amanhã do PIS/COFINS na Tributação dos combustíveis – ainda a questão do insumo”, de José Guilherme Costa, Paulo Henrique Garcia D’Angioli e Rodrigo Tomiello da Silva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022, pp. 507-522.

[7] https://tributarioemjogo.com.br/creditos-de-pis-e-cofins-produtos-sujeitos-a-regimes-concentrados-tema-de-repercussao-geral-756-stf-e-tema-repetitivo-1093-stj/

[8]Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (…)

IX – armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, nos casos dos incisos I e II, quando o ônus for suportado pelo vendedor.

[9] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=104314

[10] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=116496

[11]Art. 181. Compõem a base de cálculo dos créditos a descontar da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, no regime de apuração não cumulativa, os valores dos custos e despesas, incorridos no mês, relativos a: (…)

IV – armazenagem de mercadorias (Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, caput, inciso IX, § 1º, inciso II, e art. 15, inciso II, com redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004, art. 26);”

[12] Informativo JOTA PRO em 17/11/2022 – “Câmara Superior permite crédito de PIS/Cofins sobre frete de produtos monofásicos

3ª TURMA DA CÂMARA SUPERIOR

Processo: 15956.720244/2013-13

Partes: Drogavida Comercial de Drogas Ltda. e Fazenda Nacional

Relator: Rosaldo Trevisan

A turma permitiu o aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre as despesas com frete nas operações de venda de produtos farmacêuticos sujeitos ao regime monofásico. Prevaleceu o entendimento de que, embora haja vedação legal expressa ao aproveitamento de créditos das contribuições sobre os produtos farmacêuticos, de perfumaria e higiene pessoal sujeitos a o regime monofásico de tributação, a proibição não se estende às despesas com o frete de tais produtos. A decisão foi dada pelo desempate pró-contribuinte.

O resultado representa uma mudança de entendimento na turma em relação ao tema. O caso chegou à Câmara Superior após a turma baixa permitir o aproveitamento dos créditos sobre as despesas com frete. A Fazenda Nacional, então, recorreu à instância máxima do Carf.

O relator do processo, conselheiro Rosaldo Trevisan, deu provimento ao recurso da Fazenda Nacional. O julgador pontuou que, embora o  inciso IX do artigo 3° da lei 10.833/2003 garanta o creditamento para “armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda”, a mesma legislação aponta exceções quanto à possibilidade de tomada de crédito sobre bens adquiridos para revenda, entre eles os produtos farmacêuticos tributados na forma da lei 10.147/2000. Para o conselheiro, não se deve analisar trechos da legislação, mas sim sua totalidade.

A conselheira Tatiana Midori Migiyama abriu divergência. Ela citou a tese do acórdão recorrido, que defende que a vedação ao creditamento sobre os produtos farmacêuticos sujeitos ao regime monofásico não se estende ao frete em operações de venda dos mesmos produtos. A julgadora citou ainda as soluções de consulta 178/2008; 323/2012 e 61/2013, que, segundo ela, indicam a possibilidade de creditamento sobre o frete.

A conselheira afirmou também que a jurisprudência da Câmara Superior era favorável ao contribuinte em casos semelhantes até 2019. Houve empate entre as posições do relator e a divergência e foi aplicado o desempate pró-contribuinte.”

[13] CAPUTO BASTOS, Ana Carolina A; SAUNDERS, Ana Paula; e BORZINO, Catarina – Coordenadoras. Questões Controvertidas em matéria tributária – Tributando com Elas. Artigo “A restituição do indébito tributário das contribuições ao PIS e à COFINS e a condição exigida pelo art. 166 do Código Tributário Nacional”, de Ana Paula Álvares da Cunha Longo e Lívia Leal Fernandes Saturnino de Moraes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022, p. 210.

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