A não cumulatividade do PIS e da COFINS para o STF

Micaela Dutra

Foi finalizado em 25.11.2022 o julgamento do Tema de Repercussão Geral 756 (RE 841979), onde por maioria composta pelo relator, Min. Dias Toffoli, e pelos Ministros Alexandre de Moraes, Carmen Lúcia, Nunes Marques, André Mendonça, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, foi fixada a seguinte tese:

  1. O legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o art. 195, § 12, da Constituição, respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e COFINS e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança;
  2. É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a discussão sobre a expressão insumo presente no art. 3º, II, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 sobre a compatibilidade, com essas leis, das IN SRF nºs 247/02 (considerada a atualização pela IN SRF nº 358/03 e 404/04);
  3. É constitucional o § 3º do art. 31 da Lei nº 10.865/04.

Houve uma divergência parcial aberta na votação pelo Min.  Barroso e seguida pelo Min. Fachin, atinente ao item III da tese. Consideraram que as locações ou arrendamentos celebrados até 30.04.2004 por contratos com vigência definida teriam direito ao crédito, não se lhes aplicando a restrição legal. De todo modo, não prevaleceu esse entendimento.

Esse é um breve resumo da conclusão do julgado, necessário para que possamos tecer algumas considerações.

De fato, a não cumulatividade do PIS e da COFINS não pode ser equiparada a do ICMS e do IPI por duas razões básicas:

  1. Não é uma determinação constitucional, mas apenas uma possibilidade: o art. 195, § 12 da CRFB deixa claro que a lei definirá os setores onde as contribuições podem ser não cumulativas. Ou seja, admite regime misto de cumulatividade e não cumulatividade do tributo, permitindo que o legislador delineie como será implementada essa técnica de tributação. Lembre-se que para o ICMS e o IPI há uma imposição constitucional para o uso da técnica, não sendo viável pensar em um ICMS ou IPI cumulativo, alé do que, a CRFB  traz nortes sobre como essa cumulatividade irá se implementar para esses impostos.
  2. A base para aplicação da técnica da não cumulatividade do PIS e COFINS é mais ampla que para o ICMS e IPI. Para entender bem esse ponto é essencial que se analise no que consiste a técnica da não cumulatividade. Basicamente o objetivo dela é em cadeias de consumo restringir a tributação a cada elo, não carregando o ônus ao longo da cadeia, reduzindo o impacto tributário no preço final do produto. De fato, visa uma neutralidade fiscal. A lógica do crédito a ser apurado está ligada a base da operação, pois se me refiro à insdustrialização, vou apurar créditos sobre tudo aquilo que integra ou contribui para o processo industrial; já na circulação vou apurar crédito de tudo aquilo que auxilia na produção e comercialização do produto e  se vou falar de receita, em regra poderia apurar crédito de tudo aquilo que pode me auxiliar a produzir essa receita. Veja que a base vai num crescente: IPI, mais restrita, ICMS menos, e PIS e COFINS bem menos.

Com base nessas razões, o STF reconhece ao legislador uma maior amplitude para implementação da técnica. Contudo, isso não representa ausência de controle, afinal se a não cumulatividade gerar distorção, violação à isonomia, deve ser corrigida.

Isso foi, inclusive, objeto de expressa menção pelo relator, quando citou alguns exemplos, como o julgamento do tema 304 (RE 607.109), onde se considerou inconstitucional a vedação à apropriação de créditos das contribuições de PIS e COFINS no regime não cumulativo relativamente à aquisição de insumos recicláveis (art. 47 da Lei 11.196/05).

Ou seja, é necessário analisar cada caso de restrição ao crédito, para entender se pode haver ou não violação a não cumulatividade, bem como a outros princípios em conjunto.

Tal entendimento permite, com maior facilidade, trabalhar distinguishing nas discussões de crédito relativos ao PIS e COFINS.

Interessante, também, nesse julgamento foi a limitação de competência do STF, ao fechar a porta para a análise do conceito de insumo, deixa claro ser a palavra final sobre o tema do STJ, e nesse quesito ela já foi  dada quando do julgamento do RESP 1221170 (Tema779).

Um ponto pouco abordado nesse caso foi a divergência aberta pelo Barroso, afinal trouxe uma visão diferente da do relator sobre a natureza do § 3 do art. 31 da Lei 10.865/2004, que veda o creditamento de PIS e COFINS no tocante aos aluguéis e contraprestações de arredamento mercantil que já tenham integrado o patrimônio da pessoa jurídica. Vislumbra uma finalidade antielisiva nessa disposição legal, pois visaria conter planejamentos tributários com operação de venda de bens imóveis e móveis a que se seguiriam a contratação de locação e arrendamento com os mesmos bens com o fito de gerar créditos e gerar eficiência fiscal.

Exatamente pelo fato de ser uma norma antielisiva, seria essencial proteger a confiança dos que agiram antes de sua existência. Por isso propôs uma alteração no item III da tese fixada para refletir esse ponto:

“III.O § 3º do art. 31 da Lei n. 10.865/2004 não se aplica aos contratos de loação e de arrendamento mercantil de bens celebrados antes de 30 de abril de 2004 e para os quais tenha sido fixado um prazo determinado de vigência. Nessa hipótese, é válido o creditamento realizado durante o período de duração do contrato.”

Sem dúvida, um ponto digno de debate, que não se verificou no caso em tela, já que o julgamento se deu em Plenário Virtual, onde não existe um debate, mas apenas uma divulgação de opiniões, que podem ou não vir acompanhadas de razões escritas do voto.

De todo modo, o STF com esse julgamento sedimenta seu posicionamento relativamente a não cumulatividade do PIS/COFINS, deixando claro ser matéria de natureza legal, salvo exceções – o que viabiliza o distinguishing -, e cuja análise, em regra ficará a cargo do STJ.

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