O voto de qualidade e a Lei 14.689/2023

Micaela Dominguez Dutra

 

O voto de qualidade é uma técnica de julgamento segundo a qual se atribuiu ao presidente da turma a possibilidade de desempatar uma votação.

No âmbito do processo administrativo tributário federal essa regra se encontra no art. 25, § 9º do Decreto nº 70.235/72, que foi recepcionado com status de lei ordinária.

Tentou-se alterar essa técnica de julgamento por meio da Lei nº 13.988/20, que trouxe o art. 19-E para a Lei 10.522/02, que previu na ocorrência de empate no julgamento de processo administrativo de determinação e exigência de crédito tributário que a solução seja favorável ao contribuinte.

No início desse ano o voto de qualidade ficou na berlinda, sendo de grandes debates, até porque apresentado como uma das medidas para aumentar a arrecadação.

Não à toa, ele foi reestabelecido pela Medida Provisória nº 1160, publicada em 12/01/2023, que caducou, mas antes disso gerou uma grande celeuma entre contribuintes e fisco, que envolveu desde o ajuizamento de ADI´s (7347, 7353), até a possibilidade de requerer a retirada dos processos da pauta de julgamento do CARF até a conversão da referida medida provisória em lei (Portaria MF 139/23).

Foi feito um acordo entre Ministério da Fazenda, Ordem dos Advogados do Brasil no âmbito das ADI´s no STF, e nada por lá andou aguardando solução legislativa.

Demorou, mas a solução saiu com a conversão do PL 2384 na Lei 14.689, de 20/09/23.

A Lei reestabeleceu o voto de qualidade no âmbito do CARF, mas trouxe um tratamento diferenciado para o crédito tributário mantido nessas situações, que geralmente envolvem debate de tese jurídica.

Definiu-se, por meio do § 9º-A do art. 25 do Decreto nº 70.235/72, que as multas seriam excluídas, bem como canceladas as representações fiscais para fins penais.

Além disso, foi incluído no Decreto o art. 25.A, que permitiu que o contribuinte que quisesse pagar o crédito tributário dentro de 90 dias da decisão definitiva que manteve o crédito tributário por voto de qualidade o fizesse sem os juros. O pagamento poderia ser feito em dinheiro em até 12 vezes, com prejuízo fiscal ou uso de precatórios.

Caso não haja pagamento, o crédito irá para inscrição em dívida ativa, porém não será cobrado o encargo legal de 20%.

Por fim se estabeleceu duas regras nos arts. 15 e 16 da norma com o fito de garantir a exclusão da multa do crédito tributário em debate judicial sem acórdão de mérito do TRF, bem como a aplicação de todo o regime benéfico trazido pela Lei 14.869/23 para os casos julgados por voto de qualidade sob a égide da Medida Provisória 1160/23.

Um ponto interessante é que a garantia pode ser dispensada para o contribuinte que perdeu por voto de qualidade e possui capacidade de pagamento, o que torna a disputa judicial, nessas hipóteses, menos onerosa.

Sem dúvida, a solução legislativa foi muito interessante e buscou equalizar situações injustas causadas nas hipóteses de perda por voto de qualidade, afinal, claramente havia um empate no colegiado, o que demonstra que a tese defendida por ambos os lados não era absurda, e, por isso, o contribuinte não deveria ser penalizado por adotar aquela interpretação, queo jamais poderia representar conduta dolosa de sonegação essencial para configurar um crime contra a ordem tributária.

A retirada dos juros pode tornar ainda mais atraente, sob o prisma econômico o pagamento de débitos, afinal nem sempre se paga porque a tese é ruim, às vezes um contencioso sem fim é muito pior, e, lembre-se que, no Brasil, a média do contencioso tributário é de 18 anos e 11 meses.

Ainda falta entender melhor como serão feitas essas reduções automáticas das cobranças existentes, bem como a contagem do prazo de 90 dias para os casos já judicializados.

Outro ponto relevante será o retorno do julgamento dos casos, que, em regra, o contribuinte perdia por voto de qualidade. Será que serão mantidos ou haverá alguma alteração nesse contexto.

Independentemente disso, torna-se essencial promover uma alteração no contencioso administrativo, como visa fazer os projetos de lei, fruto da comissão de juristas instituída pelo STF e Senado, para fortalecer esse importante tribunal administrativo, que não foi feito para arrecadar e sim para materializar o princípio da autotutela, permitindo à Administração rever os atos praticados pelos auditores, permitindo sua correção e evitando judicializações desnecessárias.

Além das medidas alternativas de solução de controvérsias, um CARF forte e independente, é uma garantia de julgamento técnico e de pacificação de conflitos, podendo com seu funcionamento escorreito, por si só, impedir a judicialização de diversos conflitos.

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