Créditos de PIS e COFINS – Produtos sujeitos a regimes Concentrados – Tema de Repercussão Geral 756 (STF) e Tema Repetitivo 1093 (STJ)

José Guilherme Costa

Está previsto para iniciar, em 18/11/2022, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sessão virtual do Recurso Extraordinário (RE) nº 841.979/PE[1] (Relator Ministro Dias Toffoli) – Tema 756 de Repercussão Geral (TRG 756)[2] –, em cujos autos se discute a possibilidade de os contribuintes de PIS/COFINS não cumulativa (Leis nº 10.637/02 e 10.833/03) tomarem créditos de PIS/COFINS de maneira mais ampla e irrestrita quando de suas despesas.

Acaso acolhida a tese dos contribuintes, cairiam por terra, por exercício indevido de limitação da não cumulatividade constitucional, toda e qualquer restrição – legal ou infralegal – acerca de quais despesas que seriam hábeis a tomada de créditos das referidas contribuições sociais.

Segundo números apresentados pelo Fisco, a discussão vale aproximadamente R$470 bilhões[3] – alegação que historicamente (ainda que desacompanhada da melhor demonstração qualitativa), por si só, já mingua as chances de êxito da tese primária dos contribuintes.

Ainda assim, a questão tem levado diversos contribuintes a uma marcha de ajuizamentos, na medida em que uma vitória dos contribuintes, por improvável que seja, provavelmente se faria acompanhar de uma modulação temporal de efeitos pela Suprema Corte – e, assumida sua atual prática, para efeitos retroativos seriam preservadas apenas as discussões administrativas e judiciais deflagradas antes do início do julgamento (depósito do primeiro voto).

Levando o argumento pró-contribuintes ao extremo, teremos que PIS/COFINS não cumulativas tornar-se-iam quase tributos sobre o lucro das pessoas jurídicas, na medida em que o argumento dos contribuintes vai no sentido de que o art. 195, § 12º, da Constituição (CRFB/88), ao permitir a sistemática não-cumulativa das referidas contribuições, não teria autorizado quaisquer restrições no ordenamento infraconstitucional.

Mas nos parece merecer um exame mais minucioso o caso quando verificamos, por exemplo, as despesas com aquisição de produtos/serviços sujeitos a regimes concentrados de PIS/COFINS. Em abril de 2022, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou tese repetitiva ao apreciar a viabilidade de creditamento de PIS e COFINS relativo aos produtos sujeitos à tributação monofásica. Isso aconteceu no julgamento dos Recursos Especiais nº 1.895.255/RS[4] e 1.894.741/RS[5] (1ª Seção, Relator Min. Mauro Campbell Marques.

A 1ª Seção do STJ reiterou a solução que em 2021 (no EREsp nº 1.768.224/RS, Relator Ministro Gurgel de Faria[6]) havia dado à até outrora divergência entre a 1ª e 2ª Turmas, e decidiu pela inviabilidade de tomada de créditos de PIS e COFINS relativos ao produto sujeito a tributação concentrada/monofásica:

i) a norma instituída no art. 17 da Lei 11.033/2004[7] não permite o crédito sobre a aquisição dos produtos concentrados/monofásicos. Ela apenas declara a viabilidade de tomada dos créditos vinculados, isto é, das despesas que orbitam a operação de aquisição em comento; e

ii) a incidência monofásica/concentrada do PIS e da COFINS não se compatibiliza com a técnica do creditamento, sendo um corte no regime de tributação plurifásica e não cumulativa.

É bem verdade que o STJ, ao fixar o TRR 1093[8] (lembremos sempre: em apreciação de um caso concreto, do qual se extrai uma discussão nuclear de direito para aplicação a situações afins), optou pela leitura restritiva do art. 17 da Lei nº 11.033/2004, entendendo que ele não derrogara as previsões normativas preexistentes de inviabilidade do direito ao crédito de PIS e COFINS – arts. 3º, I, b, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003.

Se compreendermos que a inviabilidade de tomada desses créditos decorre tão somente da preexistência das referidas normas restritivas, ficaríamos inclinados a concluir que, caso o TRG 756 seja decidido pela inconstitucionalidade de toda norma de restrição, deveriam ser admitidos – para os contribuintes de PIS e COFINS não cumulativos – os créditos também sobre a aquisição de produtos/serviços sujeitos a tributação concentrada/monofásica.

Ocorre que o STJ, na necessariamente sintética redação do TRR 1093, nos parece ter dito menos do que ficou de fato fundamentalmente decidido.

Acreditamos, e já escrevemos sobre isso com os companheiros Tomiello e D’Angioli[9], que o TRR 1093 em nada impede a tomada de créditos pelo contribuinte que utilize referido produto/serviço como insumo e dê início a uma nova cadeia econômica. Isso contudo, em nosso ver, não foi objeto do caso colocado à apreciação da Corte Superior.

Em paralelo, entendemos ser possível construir, agora a partir da decisão, algo mais: concedemos haver espaço para a crítica digna de que a tributação por monofasia e/ou concentração, por representar exceção ao regime plurifásico (em que o tributo incide em cada etapa de circulação de dado produto / serviço), amolda-se a uma cobrança definitiva em apenas um (ou alguns) elo(s) da cadeia.

Não obstante a redação concisa do TRR 1093, apontando para óbices normativos, pareceu-nos que o STJ não admitiu modalidade de creditamento (natural, sublinhe-se) em um cenário de tributação monofásica ou concentrada, já que a não cumulatividade que permite ordinariamente o crédito exigiria um quadro plurifásico.

Se admitirmos que a impropriedade do creditamento ordinário decorre não da preexistência de alguma norma de restrição, mas do próprio modelo de tributação empreendido, desaguaremos na percepção de que não bastaria a eliminação dos arts. 3º, I, b, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 para que os contribuintes fizessem jus a tais créditos.

É dizer: quando nos afiliamos a quem entende serem incompatíveis a monofasia e o creditamento (senão pelo adquirente que emprega o produto/serviço como insumo de suas atividades empresariais, iniciando nova cadeia produtiva), não bastará o melhor julgamento pelo STF no TRG 756.

Ainda que adentremos a ideia de que ordinariamente (por modelo, por princípio lógico de compatibilidade) não se permitiria o creditamento de PIS e COFINS já recolhidos de modo concentrado/monofásico, não podemos olvidar o poder conferido à União, de criar ficções e conceder benefícios fiscais por lei federal, na forma do art. 150, §6º, da CRFB.

Um exemplo muito vivo e presente, embora controverso como nos mostram Longo e Leal[10], pode ser apresentado: trata-se da concessão de créditos irrestritos que parte da doutrina e da jurisprudência vêm extraindo da parte final da redação do art. 9º da Lei Complementar nº 192/22[11], que trata também da redução a zero de alíquotas de PIS e COFINS sobre gasolinas, diesel, biodiesel e GLP (produtos sujeitos à tributação monofásica dessas contribuições).

Portanto, e aqui fechamos a ideia que pretendemos dividir, parece-nos que mesmo no caso de sobrevir a melhor decisão possível para os contribuintes no julgamento do RE 841.979/PE (TRG 756) pelo STF, na medida em que a monofasia e seus efeitos não serão debatidos, poderá haver posteriormente uma respeitável resistência do Fisco a que o creditamento amplo abarque também as despesas com produtos e serviços sujeitos à tributação concentrada / monofásica.

A solução definitiva para essa sorte de questão envolvendo tributos sobre receita bruta como PIS e COFINS, que se desdobra no contencioso por longos anos (composição de base de cálculo e viabilidade de creditamentos são dois temas muito recorrentes que afogam o judiciário), nos parece, passa inexoravelmente por uma reconstrução – do zero, se preciso – dessa sorte de tributos, tal qual pretendido, como exemplificamos, nas PECs 45 e 110 ou no Projeto de Lei nº 3.887/2020.

Que este dia da República possa nos inspirar todos à busca de novas soluções isonômicas e suficientemente seguras para esses males que, de tão frequentes, tornam o Brasil um país onde até o passado é duvidoso, fazendo-o assim pouco atrativo e respeitado institucionalmente nos cenários doméstico e internacional.


[1] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4647544

[2] https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.asp?num=756

[3] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/11/12/veja-quais-sao-as-10-maiores-disputas-tributarias-no-stf.ghtml

[4] https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202002375084&totalRegistrosPor Pagina=40&aplicacao=processos.ea

[5] https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroUnico&termo=50133844820194047107&total RegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea

[6] https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201802482584&totalRegistrosPor Pagina=40&aplicacao=processos.ea

[7]Art. 17. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.

[8]1. É vedada a constituição de créditos da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS sobre os componentes do custo de aquisição (art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/77) de bens sujeitos à tributação monofásica (arts. 3º, I, “b” da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003).

2. O benefício instituído no art. 17, da Lei 11.033/2004, não se restringe somente às empresas que se encontram inseridas no regime específico de tributação denominado REPORTO.

3. O art. 17, da Lei 11.033/2004, diz respeito apenas à manutenção de créditos cuja constituição não foi vedada pela legislação em vigor, portanto não permite a constituição de créditos da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS sobre o custo de aquisição (art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/77) de bens sujeitos à tributação monofásica, já que vedada pelos arts. 3º, I, “b” da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003.

4. Apesar de não constituir créditos, a incidência monofásica da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não é incompatível com a técnica do creditamento, visto que se prende aos bens e não à pessoa jurídica que os comercializa que pode adquirir e revender conjuntamente bens sujeitos à não cumulatividade em incidência plurifásica, os quais podem lhe gerar créditos.

5. O art. 17, da Lei 11.033/2004, apenas autoriza que os créditos gerados na aquisição de bens sujeitos à não cumulatividade (incidência plurifásica) não sejam estornados (sejam mantidos) quando as respectivas vendas forem efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, não autorizando a constituição de créditos sobre o custo de aquisição (art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/77) de bens sujeitos à tributação monofásica.”

[9] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pis-cofins-e-imperativo-retomar-contexto-em-que-vivem-as-contribuicoes-19062022

[10] ALVES, Fabio Silva; COSTA, José Guilherme; MURAYAMA, Janssen; e RODRIGUES FILHO, Mozart – Coordenadores. O hoje e o amanhã na tributação dos combustíveis. Artigo “Créditos de PIS/COFINS sobre combustíveis sujeitos à desoneração temporária da Lei Complementar 192/22 – espírito da lei ou técnica legislativa equivocada?”, de Ana Paula Alvares da Cunha Longo e Lívia Leal Fernandes Saturnino de Moraes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022, pp. 97-118.

 

[11] Art. 9º As alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição para o PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) de que tratam os incisos II e III do caput do art. 4º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, o art. 2º da Lei nº 10.560, de 13 de novembro de 2002, os incisos IIIII e IV do caput do art. 23 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, e os arts. 3º e 4º da Lei nº 11.116, de 18 de maio de 2005, ficam reduzidas a 0 (zero) até 31 de dezembro de 2022, garantida às pessoas jurídicas da cadeia, incluído o adquirente final, a manutenção dos créditos vinculados.

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