Modulação e temas de repercussão geral nº 881 e 885: Um meio-termo pela estreita via de embargos de declaração

Felipe Abrantes Maciel
José Guilherme Costa

 

Acerca da adequação ou não de modulação temporal na fixação dos Temas 881 e 885 pelo STF[1], ao conversar sobre o tema com as queridas Professoras Dutra e Junger[2] e após ouvirmos a defesa do Ministro Barroso[3], as críticas do Ministro Fux[4], lermos artigo interessante dos Drs. Bichara e Montenegro em O Globo[5] e ouvirmos o Professor Sergio André Rocha citar o Mestre Jedi Obi-Wan Kenobi[6] (personagem ficcional da popular franquia cinematográfica Star Wars) ao falar dos perigos de posições extremas quanto ao voto de qualidade[7], vemo-nos desafiados a tentar contribuir para um meio-termo, isto é uma solução intermediária que pretenda conjugar, de forma equilibrada, os desígnios de isonomia[8] e segurança jurídica[9] com a boa técnica processual.

Muitos autores qualificados têm vaticinado o adeus[10], a quebra[11], a morte[12] e o fim[13] da coisa julgada em matéria tributária[14] – os mais engenhosos, com aplicação isonômica em prol das pessoas que se viram vencidas em ações contra o Estado nas quais se discutiam relações continuativas[15] e cujos temas tiveram julgamento favorável posterior no STF.

De um lado da discussão, parte dos contribuintes – com seus evidentes interesses econômicos[16] e as consequentes responsabilidades para com seus investidores[17] – se veem atraídos pelo culto (talvez extremo?) à coisa julgada por parte dos processualistas mais puristas, como se esta fosse um superdireito, em torno do qual giram todos os demais elementos processuais.

De outro, as Procuradorias – especialmente a PGFN[18], lastreada em seu Parecer PGFN/CRJ nº 492/2011[19] – exclamam um “eu já sabia”, tratam a ausência de modulação como consequência natural e, aos interesses financeiros evidentes decorrentes disso[20], somam o argumento de que essa postura favorece a isonomia concorrencial (com o qual, diga-se, concordamos[21]).

É dizer: o STF discutiu, refletiu e decidiu em fevereiro de 2023 que, para a CSLL, a decisão[22] da ADI 15[23] em junho de 2007 já produzia seus efeitos de superação da eficácia prospectiva das coisas julgadas anteriormente firmadas em sentido contrário.

 

Já que a conversa aqui é sobre modulação, propomos uma breve linha do tempo, para verificarmos o quanto seriam, os contribuintes atingidos, um grupo de ousados apostadores em um cassino ou vítimas de uma jurisdição lenta e pouco linear, mas que lhes parecia suficientemente segura.

A ADI 15, que contou com a Relatoria final do Ministro Sepúlveda Pertence, foi ajuizada pela Confederação das Associações de Microempresas do Brasil em 13/01/1989 (anteriormente à Lei nº 9.868/99[24], portanto), a fim de ver declarada inconstitucional, por vícios formais e materiais, a Lei nº 7.689, de 15/12/1988, que instituiu a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

O primeiro Relator da ADI, Ministro Néri da Silveira, negou, em fevereiro de 1989 e por falta de periculum in mora[25], o pedido de medida cautelar formulado pela Requerente. Todos os contribuintes e o judiciário, portanto, ficaram livres para demandar em ações coletivas ou individuais, de controle difuso, desde então.

Apenas em junho de 2007, dezoito anos após o ajuizamento da ADI, o STF entendeu, no exercício de controle de constitucionalidade abstrato / concentrado e com eficácia vinculante e erga omnes, que a Lei instituidora da CSLL era compatível com a CRFB/88.

Agora, por favor, nos acompanhem até março de 2016, quando os Temas 881 e 885 chegaram ao STF e houve a afetação em repercussão geral. Após muitas idas e vindas da pauta em sessões virtuais, a questão foi decidida em fevereiro de 2023 da seguinte forma:

 

  1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.
  2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

 

O STF, aquele mesmo que demorou 18 anos para afirmar a constitucionalidade da CSLL – período durante o qual diversos contribuintes obtiveram decisões transitadas em julgado acolhendo o argumento da inconstitucionalidade –, demorou mais 7 anos, desde que instado a tanto, para entender pela superação automática (sem necessidade de ajuizamento de ação rescisória) da eficácia futura em coisas julgadas firmadas em processos de terceiros.

Para que tenhamos isso em perspectiva: nada menos que quase dezesseis anos distam entre o decidido na ADI 15 e nos TRGs 881 e 885.

E, durante todo esse período e desde os anos 60, imperavam no STF os entendimentos constantes das súmulas 343 (“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”) e 400 (“Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da C.F.”).

Não obstante o acima demonstrado, os argumentos de que STF não poderia transferir aos contribuintes os ônus de sua demora em julgar e de que a Corte teria alterado sua própria jurisprudência já vieram à tona e foram enfrentados no julgamento.

A PGFN, haja vista as cifras em jogo, está naturalmente preocupada, e cumpre o papel de aproximação com o público, ao alegar o dever fundamental de pagar tributos como alicerce do decidido pela Suprema Corte e do próprio Estado de Direito[26].

Se os contribuintes desejam empreender nessa jornada dialética com o Fisco, será preciso evidenciar ao STF alguma impropriedade na decisão ainda não suscitada na deliberação da qual se erigiu.

Uma ideia seria trabalhar contradição interna e sequer precisar recorrer: o Professor Scaff, em texto recente e sempre elucidativo[27], nos convida a raciocinar que a redação das teses apontaria no sentido de o tópico atinente à irretroatividade impedir a eficácia dos Temas relativamente ao julgamento passado (e vinculante) do STF que superara o entendimento refletido na coisa julgada material (e anterior) de terceiros.

Mas, advertido pelo Mestre quanto à necessidade de aguardar o inteiro teor da decisão e à luz do que se verifica também no posicionamento público de suas excelências os Ministros da Corte, aparentemente a mensagem contida na atual redação das Teses 881 e 885 diz com a irretroatividade não delas mesmas, mas da paradigmática decisão do STF, vinculante e dissonante.

Dito de outro modo e a partir do exemplo concreto da CSLL: a decisão do STF na ADI 15, esta sim, estaria apta a produzir efeitos automáticos – pode se projetar apenas prospectivamente e observando as regras constitucionais de anterioridade aplicáveis (no exemplo, a noventena).

Considerando uma atual crença (ou seria temor?) mais aliada à segunda leitura, está em amplo debate no meio jurídico a viabilidade de apresentação de recurso de embargos de declaração, em desafio à decisão do STF, a fim de se buscar a modulação temporal dos efeitos, isto é, que apenas ocorra a cessação da eficácia da coisa julgada passada, contrariada por decisão vinculante do STF proferida também no passado, a partir do julgamento definitivo dos TRGs 881 e 885.

Mais uma vez, em nosso exemplo de modulação, a decisão do STF na ADI 15 só desconstituiria a eficácia futura de coisas julgadas (anteriormente firmadas) a partir do julgamento definitivo dos Temas 881 e 885.

Uma problemática se instaura na medida em que o caso em debate, de CSLL, teria sido amplamente deliberado pelos ministros, e que, portanto não haveria lacuna, equívoco material, contradição ou obscuridade a permitir o adequado manejo do recurso previsto no art. 1.022 do Código de Processo Civil (CPC/2015).

Por outro lado, é possível defender a ideia de que, embora a questão específica da CSLL possa ter sido exaustivamente apreciada pelos Ministros que negaram a modulação, existe ao menos “um ponto” que não foi detidamente analisado – e nem poderia ter sido.

O STF há de saber exatamente o que decidiu a respeito da CSLL, não se contesta esse aspecto à perspectiva de que algum Poder precisa ser a última palavra. Mas, a verdade é que muito provavelmente nem a Corte conhece a exata extensão e profundidade de seu julgamento[28], já que se espalhará para todos e quaisquer casos em que haja (i) relação tributária continuativa + (ii) coisa julgada material em favor de uma das partes + (iii) julgamento posterior e vinculante do STF em sentido contrário.

Esse desconhecimento pode não ser suficiente a que se dê provimento a qualquer recurso que seja, e nem é essa aqui a proposta. Mas essa absoluta (e compreensível, registre-se por favor) ausência de noção sobre os efeitos de um julgamento abstrato e vinculante precisa ser o bastante para permitir o exercício de humildade que deveria ser a marca da magistratura: aquela que indica a necessidade de se avaliar tudo que está em jogo.

É exatamente essa incompreensão (ao menos, aparente e temporária) acerca dos limites do decidido pelo STF – em relação a casos que não têm relação com o definido pela ADI 15 – que justificaria uma meditação mais profunda acerca do tema da modulação da eficácia temporal do decidido nos TRGs 881 e 885.

Se, dos exames a serem realizados pela Suprema Corte, surja – como imaginamos – a total impossibilidade de se medirem os resultados práticos da ausência de modulação para além do caso da CSLL (ADI 15), que a jurisdição constitucional seja exercida com atenção às consequências sociais e econômicas que derivam de suas decisões e, sobretudo, com a  responsabilidade que demanda o valor da segurança jurídica, de modo que haja modulação temporal para todos os casos envolvendo decisões vinculantes não especificamente analisados na tramitação das TRGs 881 e 885 e cujos efeitos o STF não seja capaz de calcular.

Coloquiais que somos e Carnaval que ainda é nesta terra brasileira, aqui nos valemos das palavras do grande Paulinho da Viola: Supremo, quando vierem os Embargos de Declaração (e virão!), “faça como um velho marinheiro que, durante o nevoeiro, leva o barco devagar[29].

[1] https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/coisa-julgada-stf-nega-modulacao-e-contribuintes-devem-recolher-csll-desde-2007-08022023

[2] https://www.youtube.com/watch?v=RmYbaPrK8PI&t=31s

[3] https://youtu.be/F2-2bdXU_bg

[4] https://www.youtube.com/watch?v=fuJkViKu4vs

[5] https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/02/ainda-existe-coisa-julgada.ghtml

[6] https://www.youtube.com/watch?v=kVu_yMEhUfM

[7] https://www.youtube.com/watch?v=1Dt9LTRhYAE

[8] Argumento central dos que defendem flexibilização da coisa julgada em matéria tributária

[9] Principal fundamento ventilado pelos que criticam a decisão do STF nos temas de repercussão geral 881 e 885

[10] https://opopular.com.br/noticias/opiniao/opini%C3%A3o-1.146393/adeus-coisa-julgada-1.2611759

[11] https://www.conjur.com.br/2023-fev-14/paradoxo-corte-imprevisibilidade-justica-brasileira-fator-inseguranca

[12] http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/aviso-faonebre-a-morte-da-coisa-julgada-em-mata-ria-tributa-ria/558295

[13] https://monitormercantil.com.br/a-decisao-do-stf-sobre-coisa-julgada-na-area-tributaria/

[14] https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/02/10/stf-abre-espaco-para-governo-voltar-a-cobrar-tributos-de-quem-ja-tinha-sido-isento-pela-justica.ghtml

[15] https://www.conjur.com.br/2023-fev-10/romulo-saraiva-tema-885stf-quebra-coisa-julgada-tributaria

[16] https://www.infomoney.com.br/politica/posicao-do-stf-sobre-quebra-de-decisao-tributaria-gera-impacto-bilionario-para-empresas-e-traz-inseguranca-juridica-dizem-especialistas/

[17] https://iwrcf.com.br/cvm-orienta-empresas-a-reportar-eventual-contingencia-decorrente-da-decisao-do-stf-sobre-coisa-julgada-em-materia-tributaria-nas-demonstracoes-contabeis-do-exercicio-encerrado-em-31-12-2022/

[18] https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/pgfn-divulga-nota-sobre-julgamento-de-efeitos-da-coisa-julgada-em-materia-tributaria

[19] https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/representacao-judicial/documentos-portaria-502/PARECER%20CRJ%20492-11.pdf

[20] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/02/08/stf-quebra-decises-judiciais-definitivas.ghtml

[21] https://tributarioemjogo.com.br/uma-visao-concorrencial-sobre-os-temas-de-repercussao-geral-no-881-e-885/

[22] https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=484298

[23] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1483376

[24] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm

[25] https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=346145

[26] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coisa-julgada-e-o-dever-fundamental-de-pagar-tributos-22022023

[27] https://www.conjur.com.br/2023-fev-20/justica-tributaria-coisa-julgada-tributaria-entre-modulacao-irretroatividade

[28] https://www.conjur.com.br/2023-fev-22/consultor-tributario-quem-sabe-quais-sao-reflexos-decisao-coisa-julgada-stf

[29] https://www.letras.mus.br/paulinho-da-viola/48050/

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