Das dores crônicas às lições aprendidas: Os benefícios de um trabalho conjunto com a auditoria interna na gestão jurídica do Contencioso Tributário

Fernanda Rodrigues

José Guilherme Costa

 

Inúmeros são os desafios na gestão jurídica de um contencioso tributário. A depender do tamanho da empresa, tanto os passivos quanto as oportunidades de economia e recuperação podem chegar a bilhões de reais.

As principais missões da gestão moderna de um contencioso nos parecem ser três: (i) controle e redução das contingências passivas; (ii) captura de oportunidades para incremento de contingências ativas; e (iii) geração de inteligência para a corporação (detecção e tratamento, na origem, das causas geradoras de passivo).

Embora a parceria mais evidente e continuada – calcada em alguma medida no sadio valor de controles recíprocos (pesos e contrapesos) – seja aquela com a área de gestão tributária propriamente dita (planejamento, execução tributária, relacionamento com o fisco etc.), a integração de um contencioso tributário é – e precisa ser – plural em uma grande e complexa corporação, visando a gerar o melhor reporte para os órgãos diretivos.

Existe uma interlocução frequente com as áreas de Contabilidade (análise dos critérios para mensuração e reconhecimento dos ativos e passivos tributários), Compliance/Integridade (desenho e revisão de fluxos e seus controles, assim como o monitoramento dos riscos atrelados), Governança (garantia da estrutura e recursos, delegação das atribuições, supervisão e tomada de decisão), Legal-ops (Inovação, reunião e tratamento de questões comuns à gestão jurídica, como simplificação e automação de tarefas), ESG (sustentabilidade nos negócios), Planejamento (construção e acompanhamento orçamentários, definição das priorizações) e as áreas-fim da companhia (os times de negócios propriamente ditos).

A Auditoria Interna é outra frequente aliada, e historicamente atua com profundidade na revisão da gestão do contencioso, buscando melhoria e acompanhamento de passivos preexistentes, avaliando as classificações de riscos e perfis, os critérios utilizados para mensuração e divulgação, a eficiência dos controles atrelados, das comunicações à demais áreas da corporação e dos tratamentos eventualmente necessários.

Acontece que a Auditoria Interna mais moderna e engajada cumpre muito mais do que esse papel. Sua jornada pode se estender e entremear aos demais desafios de um jurídico tributário contencioso: tanto na geração inteligência a partir do contencioso presente e potencial (e seu enforcement na corporação) quanto na busca de oportunidades de economia e recuperação tributárias.

A respeito da geração de inteligência interna, uma análise cuidadosa do passivo tributário atual de uma corporação – indiferente se tais cobranças fiscais seriam procedentes ou não, registre-se! – pode conduzir, a depender da identificação de causas geradoras continuadas, a uma visão de contencioso potencial.

Reduzir os contenciosos tributários presentes e futuros, embora seja função primária do jurídico, é missão de toda a corporação. A etapa inicial desse escrutínio parece-nos a identificação de eventos e situações que são mais comumente trazidas pelos fiscos em suas autuações.

Mais esta vez – e nunca é demais – os eventos e situações em questão, para merecerem tratamento, não precisam estar originalmente errados. Aqui, o princípio atualizado da aparência de correção se aplica: não basta ser sempre honesto, é preciso também parecer sê-lo, afastando-se a imediata heurística do julgamento.

Portanto, a segunda fase do trabalho está em edificar uma melhoria na causa geradora de passivo fiscal, que não necessariamente tem como premissa um erro; basta ao sucesso da caminhada que seja possível um avanço apto a viabilizar a superação dos entendimentos que nuclearmente se apresentavam quando das autuações fiscais.

Aqui, nos guiamos pela eficiência também orçamentária: é que causas geradoras de contencioso fiscal, mesmo quando a corporação se sagra vencedora ao final da discussão judicial, podem refletir um consumo massivo de recursos não recuperáveis, como grandes tempo e energia dos envolvidos e despesas com honorários advocatícios contratuais, garantias etc.

Esse trabalho integrado, ademais, pode gerar alguns debates interessantes pela terceira linha de atuação da auditoria, que envolve avaliação e otimização de fluxos e controles, conscientização e elaboração conjunta dos planos de ação e respectivo monitoramento contínuo – tudo objetivando eliminar (ou, ao menos, mitigar) as causas geradoras de passivo contencioso tributário.

A Auditoria Interna, quando empoderada neste importante papel de orientador, intermediador e bom comunicador, viabiliza soluções para mudanças efetivas, não conflituosas e colaborativas entre todas as áreas de uma corporação.

Exemplificando… em uma empresa comercial, como dizem experiente gestores, só existem dois tipos de pessoas: os que vendem e os que ajudam a vender. Considerando elementos empíricos, especialmente quando da geração e aplicação de inteligência tributária na alteração de rotinas operacionais ou comerciais, pode haver algum grau de sinergia tensa entre o jurídico tributário e os times de negócios; o primeiro recomendando novas prudências e os segundos querendo avançar de modo mais fluido e rotineiro.

Essa tensão na sinergia entre as áreas ditas meio e fim em uma corporação, não obstante, é mais que natural; ela é desejada e funciona como combustível para toda a dialética da qual surgirão os planos de ação.

É exatamente neste quadrante que a Auditoria Interna assume uma tarefa fundamental: a de mediador independente e imparcial, que considera a estratégia e a cultura organizacional para alcance do cenário ótimo entre o juridicamente ideal e o comercial ou operacionalmente possível.

Uma nova barreira ultrapassada pela Auditoria Interna, por sua vez, conecta-se à sua atuação na detecção de oportunidades para geração direta de riquezas para uma corporação. Considerando a extrema complexidade no entendimento do ordenamento tributário, muitas vezes associado a insuficiência de processos automatizados, auditorias internas têm se engajado, em aproximação com áreas jurídicas e fiscais, nessas avaliações para detecção de oportunidades tributárias anteriormente não vislumbradas.

Ainda pela ferramenta de análise de dados incorporada aos trabalhos de auditoria, realiza-se o levantamento, mineração e modelagem dos dados de forma automatizada para obter tendências, indícios, anormalidades e respectivos alertas para atuação preventiva e detectiva nas falhas de controle.

Um exemplo prático seria a aplicação da análise de dados em organizações que operam em jurisdições distintas. A heterogeneidades regional e respectivos impactos no contencioso tributário (relação de causalidade) torna-se um sinalizador para detecção (diagnósticos) e apoio à tratativa das causas raízes geradoras do contencioso tributário.

Esse monitoramento, quando realizado de forma contínua e otimizada, torna-se um grande aliado na obtenção de diagnósticos assertivos, em tempo hábil, para impulsionar a correção e melhoria dos processos no apoio à gestão.

O monitoramento, correção e melhoria dos processos pela auditoria permitem: melhor direcionamento para alcance dos objetivos estratégicos; geração e proteção de valor organizacional; reavaliação e mitigação dos riscos envolvidos; apoio ao gestor, proprietário do processo pela asseguração da eficácia dos controles avaliados; validação e maior transparência nas divulgações; garantia da segurança jurídica; postura guiada pela conformidade, valores e condutas éticas e perenidade das operações.

Então, quem ganha com a avaliação conjunta e contínua das rotinas de um jurídico contencioso tributário por parte da Auditoria Interna da corporação, tornando-a mais transparente e compatível com os melhores padrões ESG? Todos os envolvidos, como acionistas, gestores, colaboradores em geral e, em se tratando de uma Cia aberta, a própria sociedade!

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