Permuta de criptomoedas e o imposto de renda

Tatiana Junger

Não é possível dizer que operar com criptomoedas seria algo propriamente exótico na contemporaneidade. A corretora Crypto.com já chegou a estimar que, até o final do ano de 2022, o número de pessoas com criptomoedas em suas carteiras eletrônicas deverá atingir 1 bilhão.

De acordo com o seu relatório Crypto Market Sizing, de janeiro de 2022, no primeiro semestre de 2021 houve um crescimento veritiginoso no público desses ativos e, muito embora no segundo semestre daquele ano essa aceleração tenha sido contida em virtude de medidas restritivas aprovadas em alguns países, o público não deixou de crescer em ritmo constante, exprimindo uma preferência notável pelo famoso “bitcoin” e, em seguida, pela “ethereum”.

Do ponto de vista jurídico, as criptomoedas têm sido caracterizadas como ativo financeiro e, como tanto, uma vez declaradas, deverão se sujeitar à apuração do ganho de capital para tributação pelo imposto de renda, mediante a aplicação de alíquotas progressivas, variando de 15% a 22,5%, a depender do valor aferido, salvo se o valor global dos ativos digitais negociados no mês não superar R$ 35.000,00, o que garante a fruição de isenção.

Não há que se negar que, nessas hipóteses, a tributação faz-se correta. Afinal, a Constituição da República, por meio do inciso III do artigo 153, atribui à União Federal a competência para a instituição de imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Em virtude da indeterminação da linguagem constitucional, é fundamental a remissão ao entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, que historicamente tem definido “renda e provento de qualquer natureza” como “acréscimo patrimonial” (ver RE 117.887).

De acordo com o artigo 146, inciso III, também da Constituição, cabe à lei complementar dispor sobre normas gerais em matéria tributária, inclusive precisar os fatos geradores, papel que foi cumprido no artigo 43 do Código Tributário Nacional, ao definir o fato gerador do imposto como “a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; e II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.

No entanto, para além do crescimento do mercado com a aquisição de criptomoedas por novos investidores, são comuns e recorrentes as operações realizadas dentro dele próprio, com as quais há a aquisição de uma (ou mais) espécie de criptomoeda mediante o pagamento com outra (ou mais) espécie de criptomoedas. Assim, por exemplo, cede-se bitcoin para adquirir ethereum, ou o contrário (ou quaisquer outras espécies negociadas). E daí cabe uma reflexão mais delicada sobre a materialização de um fato econômico compatível com o conceito de renda, observadas suas delimitações constitucionais e legais.

Por esse motivo, foi apresentada consulta à Receita Federal do Brasil para questionar se há ganho de capital tributável quando uma criptomoeda é entregue a uma corretora para a aquisição de outra espécie de criptomoeda (uma vez superado o limite isento), oportunizando a manifestação fazendária expressa na Solução de Consulta COSIT nº 214/2021

Nessa ocasião, a Receita Federal atribuiu à operação a natureza de permuta, reputando-a por uma espécie de alienação como produto da interpretação literal do artigo 3º, § 3º, da Lei nº 7.713/1988, o que a conduziu à conclusão de que “o ganho de capital apurado na alienação de criptomoedas, quando uma é diretamente utilizada na aquisição de outra, ainda que a criptomoeda de aquisição não seja convertida previamente em real ou outra moeda fiduciária, é tributado pelo imposto sobre a renda da pessoa física”.

Sob essa ótica, a única permuta que elidiria à incidência do imposto seria aquela de bens imóveis sem torna, uma vez que, para esses casos, há disposição expressa da legislação afastando a incidência.

O que buscamos comentar nesse pequeno artigo é a correção do raciocínio esposado pela Receita Federal nessa ocasião, no sentido de que a permuta, como regra, atende ao princípio da renda líquida e, assim, autoriza a incidência do imposto de renda.

Inicialmente, cabe lembrar que o termo “permuta” é aplicado tecnicamente para designar atos de troca, outrora também chamados de “escambo”, e possui sua disciplina civil no artigo 533 do Código Civil. Depreende-se do referido dispositivo que ela se trata de um negócio jurídico de direito privado regido, como regra, pelas disposições aplicáveis à compra e venda.

Muito embora a permuta se caracterize pelo não envolvimento de dinheiro, é possível que exista uma pequena parcela contraprestacional paga em dinheiro que leva o nome de “torna”, a critério dos negociantes.

Portanto, muito embora exista aproximação entre os dois negócios jurídicos, sob o prisma tributário, a permuta não necessariamente implica a obtenção de uma receita, salvo se houver torna no negócio, o que é eminentemente diferente de uma compra e venda, da qual necessariamente decorre a aferição de uma receita. Isso, inclusive, é referendado pelo item 12 do Pronunciamento Técnico CPC 30, segundo o qual, como regra, “a troca não é vista como uma transação que gera receita”.

Retornando o racional para as operações com criptomoedas realizadas por pessoa física, se há troca de um tipo por outro, sem intermediação do negócio com a liquidação dos ativos em moeda fiduciária, pode-se cogitar da inadequação da incidência pela inexistência de preço, uma vez que haveria identidade econômica entre os criptoativos envolvidos na permuta. Isso reverbera na própria composição da base de cálculo, porque o custo dos ativos dados em permuta suplanta o custo dos ativos adquiridos, zerando um suposto ganho de capital.

Ademais, sob a lógica do princípio da renda líquida, a permuta dos criptoativos não oportunizaria qualquer realização de renda, mas o seu diferimento para o momento em que, oportunamente, o criptoativo adquirido seria negociado por um determinado preço, expresso em moeda fiduciária, líquida e capaz de dimensionar uma base tributável pelo imposto de renda.

Por outro lado, é possível dizer que, atualmente, os criptoativos têm desempenhado um papel, por vezes, equiparável àquele das moedas fiduciárias, representando assim uma certa liquidez, o que coloca em xeque a crítica acima exposta. Isso porque algumas plataformas e estabelecimentos aceitam criptomoedas como meio de pagamento. No entanto, algumas criptomoedas são mais aceitas do que outras e essa receptividade está dentro da discricionariedade dos estabelecimentos, o que significa que a qualquer tempo pode mudar. Significa isso, portanto, uma verdadeira liquidez?

O assunto está longe de encontrar uma resposta fácil, mas a complexidade do debate e a recorrência das operações apenas evidenciam o quão importante é tratar do tema.

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