Aspectos Regulatórios das Criptomoedas no Brasil e Europa

Marília Cavagni

 

RESUMO

O presente artigo relata o grande desafio acerca da regulação de criptomoedas no Brasil e na Europa. Atualmente os governos estão lindando com as grandes mudanças trazidas pela inovação tecnológica, mudanças essas que causam impactos que podem ser observados em todas as relações humanas.

As criptomoedas ainda, permanecem com uma natureza jurídica controversa, no entanto temos observado o esforço conjunto dos países em regular tal setor, impulsionados pela OCDE na busca de revisão de políticas fiscais acerca do tema e de um forte sentimento de cooperação internacional.

Este artigo busca fornecer subsídios para a compreensão do cenário regulatório atual, bem como as principais discussões acerca do tema, com objetivo de promover a inovação num ambiente de segurança jurídica no mercado dos criptoativos para empresas e investidores.

PALAVRAS-CHAVE: Criptoativos, Cenário Regulatório, Novas Tecnologias, Brasil, Europa.

 

ABSTRACT

This article reports the challenge faced by Brazil and Europe on the cryptocurrencies regulations.. Governments are currently dealing massive changes brought about by technological innovation, changes that can cause impact and can be observed in all human relations. Cryptocurrencies still have a controversial legal nature, however we have observed the joint effort of countries in regulating this sector, driven by the OECD in the search for revision of fiscal policies on the subject and a strong sense of international cooperation. This article seeks to provide subsidies for the understanding of the current regulatory scenario, as well as, the main discussions on the subject, aiming to promote innovation in an environment of legal certainty in the crypto-active market for companies and investors.

KEY WORDS: Cryptocurrency, Regulatory Scenario, New Technologies, Brazil, Europe.

 

 

 

A revolução tecnológica observada nos últimos anos fez com que todo o cenário regulatório mundial se deparasse com grandes desafios difundidos pelas novas práticas comerciais, relações econômicas e sociais.

Klaus Schwab sustenta que uma demonstração típica desse cenário da chamada quarta revolução industrial seria a fusão entre os mundos digitais, físicos e biológicos. Sendo que a tecnologia está modificando profundamente a maneira como vivemos, nos comunicamos, trabalhamos, geramos riqueza, consumimos e nos relacionamos[1].

Diante desse cenário ganham particular importância os ativos intangíveis, o capital intelectual e, sobretudo, a informação. Merecendo especial destaque o cenário disruptivo criado no sistema financeiro pelas criptomoedas, as quais surgiram com o objetivo de descentralização estatal de produção e controle das moedas tradicionais e, principalmente, a eliminação de agentes intermediários.

As criptomoedas surgiram como alternativa revolucionária, a primeira que se tem notícia é o Bitcoin, sendo sua história é repleta de mistérios. Surgiu em 31 de outubro de 2008 e sob a identidade de Satoshi Nakamoto foi enviado um e-mail para uma lista de pessoas interessadas em criptografia, onde no corpo da mensagem afirmava que vinha trabalhando em um novo sistema de dinheiro eletrônico totalmente peer-to-peer, sem “terceiros confiáveis”[2]

Uma importante coincidência foi que o “White paper” do bitcoin foi lançado pouco mais de um mês do anúncio de falência do Lehman Brothers, que foi o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos. O que gerou o questionamento de vários economistas na época sobre se o Bitcoin teria surgido como resposta a grande instabilidade financeira do momento.

A ideia da universalização do dinheiro de forma exclusivamente digital tem ganhado uma força enorme, sendo notável o volume transacionado nessas operações. Conforme a Future of Money (Exame), até junho de 2022, os criptoativos já movimentavam no Brasil metade dos R$ 600 Bilhões movimentados por produtos de investimento de renda variável, como ações, fundos, BDRs e ETFs negociados na B3.

Não à toa que o Banco Central do Brasil e a Receita Federal do Brasil ligaram o “alerta”, pois as criptomoedas estavam sendo adotadas como alternativas aos investimentos financeiros sem nenhum marco regulatório definido.

No entanto, por mais dúvidas que se tenham referente a natureza jurídica das criptomoedas sabe-se que são consideradas “bens”, uma das categorias mais genéricas no direito. No entanto, expressa alguma proteção da ordem jurídica por não ser vedada no ordenamento jurídico e suas aquisições são amparadas pelo Código Civil brasileiro em seu Artigo 104 “objeto lícito, possível, determinado e determinável”.

Nesse sentido, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 4401/2021 foi aprovado no Senado e encaminhado à Câmara dos Deputados para passar pela fase final de aprovação, o qual foi aprovado como Lei 14.478/202. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), enviou o PL para a Comissão Especial da Casa Legislativa na terça-feira, 17, responsável pela regulamentação de “ativos virtuais” no Brasil.

Atualmente, a Receita Federal do Brasil, através da IN nº 1888/2019 e da Solução de Consulta nº 214 de 2021 obriga apenas que operações a partir de R$35.000,00 (trinta e cinco mil reais) sejam notificadas, inclusive as transações cripto-cripto, mesmo que não haja conversão de lucros realizados em moeda fiduciária por ordem do Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/2018), aprovado pelo Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018.

Os projetos de lei e as normas no Brasil visam impedir que as criptomoedas sejam utilizadas para lavagem de dinheiro e evasão de divisas, além de combater crimes financeiros, pois a ausência de regulação pode favorecer esses crimes.

Não menos importante é a preocupação da entrada no Brasil na OCDE (Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico)[3] que vem exigindo dos países regras mais concisas de tributação das criptomoedas. Uma vez que em estudo feito pela Organização a mesma observou que a criptomoeda é mais comumente definida nas jurisdições como “um instrumento ou ativo financeiro” seguido de uma “mercadoria ou mercadoria virtual”.

No aspecto regulatório a União Europeia (EU), terceira maior economia do mundo, quer além de proteger os investidores estabelecer padrões rígidos para os emissores de stablecoins. Por isso fechou um acordo histórico[4] para regular criptoativos e provedores de serviços nos 27 países membros do bloco.

Há dois anos, o Parlamento Europeu vem estruturando as regras conhecidas como “Markets in Crypto Assets Regulation”, ou Myca[5], uma das regras mais importantes é a necessidade da emissão de “White paper” para os emissores de criptomoedas. Dessa forma deverão ser registrados junto às autoridades para que mantenham reservas adequadas no estilo de banco para stablecoins.

No entanto, o que chamou também chamou a atenção foi o pedido de cooperação internacional realizado por Mairead McGuiness da Comissão Europeia, tendo em vista a importância de o setor não ser regulado por conta própria, após as turbulências conhecidas por “Inverno Cripto”, ocorrida nas últimas semanas.

Para a União Europeia os criptoativos são uma das principais aplicações da tecnologia de cadeia de blocos. Desde a publicação do Plano de Ação para a Tecnologia Financeira[6], em março de 2018, a Comissão da União Europeia tem estudado as oportunidades e os desafios suscitados pelos criptoativos.

Em dezembro de 2017, na sequência de um grande aumento da capitalização do mercado de criptoativos nesse mesmo ano, o Vice-Presidente executivo Dombrovskis, por carta endereçada à Autoridade Bancária Europeia (EBA) e à Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA), instou-as a reiterarem as suas advertências aos investidores.

No Plano de Ação para a Tecnologia Financeira, de 2018, a Comissão encarregou a EBA e a ESMA de analisarem a aplicabilidade e a adequação do quadro regulamentar existente para os serviços financeiros a nível da UE no caso dos criptoativos. O parecer daí decorrente[7], publicado em janeiro de 2019, argumentava que, embora alguns criptoativos pudessem ser abrangidos pelo âmbito de aplicação da legislação da União Europeia (EU), a efetiva aplicação da legislação a tais ativos nem sempre é simples.

Isso tudo foi uma tentativa inicial de abordar uma série de projetos de captação de recursos de criptomoedas – as ofertas iniciais de criptomoedas, conhecidas como ICO (Initial Coin Offering), que na maioria das vezes era um grande golpe financeiro.

É importante discutir que a regulação não deve desincentivar a inovação, mas sim preparar os países para a Era Digital, criando uma economia preparada para o futuro, acolhendo a revolução digital.

As divergências existentes entre os países em termos dos quadros, regras e interpretações dos criptoativos e dos serviços conexos minam a capacidade dos prestadores de serviços expandirem a sua atividade.

Tal significa que prestadores de serviços e produtos intrinsecamente transfronteiriços são obrigados a familiarizar-se com várias legislações, e obter várias autorizações e registros nacionais diferentes, bem como a cumprir leis que muitas vezes díspares. Ou mesmo devendo ajustar, por vezes, o seu modelo empresarial em cada país.

A situação além de custosa conta com elevada complexidade jurídica e insegurança para os operadores de serviços ativos no domínio dos criptoativos, limitando o desenvolvimento e a expansão das atividades relacionadas com esses instrumentos.

Acresce ainda que a falta de regimes aplicáveis aos prestadores de serviços de criptoativos limita a disponibilidade de financiamento e até mesmo um acesso mais amplo aos serviços financeiros necessários, como os serviços bancários, em virtude da insegurança regulamentar associada ao setor.

Estas divergências conduzem também a condições desiguais para os prestadores de serviços de criptoativos, em função do local onde se encontrem, o que cria barreiras adicionais ao funcionamento regular do mercado interno. Por último, tal acresce à falta de segurança jurídica, que, combinada com a inexistência de um quadro comum ou pelo menos parecido entre os países, deixa os consumidores e os investidores expostos a riscos significativos.

Através da cooperação internacional, como até mesmo indicado pela OCDE[8] que propôs alterações ao Commom Reporting Standar[9] – um padrão para a troca automática de informação entre as autoridades fiscais internacionais para combater a evasão fiscal, sendo também possível fixar condições para o exercício da atividade que estão provocando por diversas vezes planejamentos tributários abusivos e buscando reduzir a complexidade e os custos.

O que se pode concluir é que a regulação do setor proporcionará às empresas um acesso completo ao mercado interno, bem como a segurança jurídica necessária para promover a inovação no mercado dos criptoativos, para empresas e investidores, bem como uma compreensão clara dos seus direitos.

 

 

 

 

[1] (SCHWAB, 2016)

[2] https://bitcoin.org/bitcoin.pdf

[3]https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/ocde/o-brasil-na-ocde#:~:text=Em%203%20de%20junho%20de,em%20N%C3%ADvel%20Ministerial%20da%20Organiza%C3%A7%C3%A3o.

[4] https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2022/06/30/digital-finance-agreement-reached-on-european-crypto-assets-regulation-mica/

[5] A Comissão Europeia apresentou a proposta de regulamento MiCA em 24 de setembro de 2020. Esta proposta faz parte do vasto pacote Finança Digital, que visa desenvolver uma abordagem europeia que promova o desenvolvimento tecnológico e assegure a estabilidade financeira e a proteção dos consumidores. Além da proposta de regulamento MiCA, o pacote inclui uma estratégia de finança digital, um Regulamento Resiliência Operacional Digital (DORA) – que abrangerá também os prestadores de serviços de criptoativos – e uma proposta relativa a um regime-piloto para a tecnologia de registo distribuído para utilizações em grosso.

[6] Comissão Europeia, Plano de Ação para a Tecnologia Financeira, COM/2018/109 final.

[7] Parecer da ESMA, Initial Coin Offerings and Crypto-Assets, 2019; relatório da EBA com um parecer sobre os criptoativos, 2019.

[8] Public consultation document Crypto-Asset Reporting Framework and Amendments to the Common Reporting Standard 22 March – 29 April 2022

Compartilhar

Mais